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Ritual de passagem de uma tribo da Papua Nova Guiné (Foto: Timothy Allen) |
Por Vanessa Heidemann
No dia 24 de
abril de 2018, o Núcleo Granja Viana – SP da Fundação Joseph Campbell promoveu
o primeiro encontro do ano.
Durante
2017, o grupo se dedicou aos estudos voltados ao sagrado feminino, utilizando
como base a obra Deusas: Os Mistérios do
Sagrado Feminino, de Joseph Campbell (Editora Palas Atenas, 2015). Em 2018,
os encontros possuem como proposta promover reflexões em torno do masculino,
sobretudo diálogos relacionados à sua presença e representações na atualidade.
A
masculinidade no contemporâneo foi o tema proposto para o primeiro encontro,
que contou com a fala do psicólogo André Mendes. André estudou durante o
mestrado a relação da individuação e a sociedade, e também desenvolveu estudos
relacionados às questões de grupos com profissionais do sexo (travestis). A
partir do texto O Sistema de valores do
grupo local (CAMPBELL, 2013, p. 82-104) e do pensamento do pai da
psicologia analítica, Gustav Carl Jung (1875-1961), o convidado apontou a
dificuldade de se discutir o tema. Primeiramente, André levanta a questão do
que podemos compreender como sendo o masculino, e segundo, o que compreendemos
como contemporâneo.
Para o
psicólogo, a partir da perspectiva de Campbell, podemos compreender que o
masculino é uma construção cultural, ou seja, uma construção inserida em um
contexto específico (tempo-espaço). Já em relação ao contemporâneo, o
palestrante afirma que a dificuldade em defini-lo está no fato de que nós
mesmos estamos inseridos nele, o que influencia a nossa compreensão acerca dos
fenômenos ao nosso redor.
Apesar da
complexidade, o convidado afirma que esta é uma temática importante e
emergente, pois é frequente em seu consultório homens e mulheres questionarem
seus papéis na sociedade, suas identidades de gênero, sua orientação sexual e
como exercer o feminino e o masculino no cotidiano. O homem perante as
transformações sociais tem questionado qual o seu papel na sociedade e como
exercer uma masculinidade que não é mais dada por meio de ritos de passagens.
Utilizando o
pensamento do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900), André
problematiza: “Nós podemos estabelecer um conceito para uma série de
fenômenos?”, “Podemos chegar a uma definição única do que é o masculino?”. Nietzsche
defendia que os conceitos fechados são falsos, pois estes se transformam no
decorrer do tempo, portanto para definir conceitos o ser humano deveria
utilizar uma linguagem poética, metafórica. Um conceito metafórico ao invés de
fechar/limitar serviria para expandir a compreensão acerca dos fenômenos.
Surgem então
alguns novos questionamentos: “O que a nossa cultura faz com o masculino?”, “Temos
rituais que possibilitam uma construção do masculino?”, e ainda, “Nossa cultura
possui rituais?”. O palestrante afirma que apesar de aparentemente em desuso, o
ritual é uma experiência importante para os seres humanos e permanece presentes
em nosso cotidiano, mesmo que de forma discreta. Seja em um ritual particular
de preparar uma sala para estudar, uma formatura ou o réveillon. Os rituais de
âmbito coletivo, como as formaturas, são capazes de gerar uma transformação
psíquica. André, que também é docente, relata que alunos dos cursos de
graduação se sentem muitas vezes inseguros em relação às suas futuras vidas
profissionais. Ocorrem casos de alunos que repetem uma disciplina propositalmente
por não se sentirem capazes. Entretanto, após vestirem as indumentárias (beca e
chapéu) para o ritual de formatura e receberem um canudo (muitas vezes vazio),
saem transformados, pois a formatura enquanto ritual é capaz de canalizar a
energia psíquica da pessoa, promovendo uma transformação.
Muitas vezes
os rituais de passagem não são agradáveis, como as primeiras relações sexuais
que os garotos eram obrigados a passar por influência e interferência do pai,
tios, primos mais velhos e assim por diante. Na atualidade, entretanto, os
papéis do masculino não estão demarcados e dados pela sociedade, não são tão
rígidos como antes. Como o psicólogo afirma: “O indivíduo precisa elaborar
isso, pois não está dado pelo coletivo”.
Para André,
apesar de haver uma busca para expressar as questões do masculino e feminino em
homens e mulheres na atualidade, a nossa sociedade não facilita esse processo.
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O que a nossa cultura faz com o masculino? |
Aberto o
debate para os presentes, surgiram questões relacionadas a gênero, transexualidade,
a problemática (ou não) de usar banheiro unissex, a grande demanda de casos em
consultórios dos psicólogos presentes no encontro e as dificuldades em lidar
com tantas possibilidades que a sociedade contemporânea permite relacionadas ao
tema.
Ficou
constatado entre os presentes que estudos sobre o masculino são pouco
divulgados e/ou inexistentes, e que se nos afastarmos do machismo compreenderemos
que tanto o masculino quanto o feminino exercem, na visão de Mendes, funções
enquanto potência. Ambos se complementam, seja em uma complementaridade
exterior (social), seja em uma complementaridade do indivíduo em seu processo
de individuação. Um assunto, sem dúvida,
que seguirá palpitante no próximo encontro, a ser realizado em agosto do
segundo semestre, em data a ser definida em breve.
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