“O deus que escolhemos reverenciar como deidade
primária representa a escolha dos poderes que serão a base na nossa vida.
Escolhemos um ou outro aspecto de nosso viver como possibilidade que
representaremos dentro da realidade” (CAMPBELL, 2015, p.188).
No dia 19 de agosto de 2017 foi realizado o Encontro de Inverno do Núcleo Granja Viana-SP da Fundação Joseph Campbell. Também conhecido como Granja Viana-SP Roundtable®, a mesa redonda tem como proposta para este ano debater o mais recente livro lançado em português no Brasil do mitólogo estadunidense Joseph Campbell (1904- 1987): Deusas: o mistério do divino feminino (Editora Palas Athena).
Costurando os
retalhos do saber por meio da Mitologia, Filosofia e Psicologia Analítica, a
palestrante convidada, Profa. Dra. Maria Cristina Mariante Guarnieri, guiou os participantes em uma jornada pelo
conhecimento, abordando e ampliando as narrativas do capítulo 5: Deusas e deuses do
panteão grego e do capítulo 6: Ilíada
e Odisseia: o retorno à deusa.
Inicialmente Maria
Cristina afirmou: “O panteão grego é o reflexo de nossa estrutura enquanto
humanos, é como nossa psique se estrutura”. Assim, os arquétipos (deuses)
adotados pelo indivíduo e/ou sociedade apontam para a estrutura da psique
daquele que o adota. Os mitos são, como diz Campbell, como um sonho, só que um
sonho coletivo, sonhado pela humanidade, que tem reflexos em cada indivíduo.
A professora relata
que as imagens arquetípicas podem ser compreendidas como retalhos de uma mesma
colcha, a do inconsciente coletivo. O que faz que o indivíduo haja desse ou
daquele jeito. No fundo, a questão é: que deuses me movem? Qual é o sentido da
minha existência? Segundo ela, a narrativa mítica responde a essas questões
organizando e explicando o poder da Natureza, incluindo-se nela o próprio ser
humano.
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Deusa Ártemis |
No capítulo 5: Deusas e deuses do
panteão grego, Guarnieri destacou a seguinte passagem:
“Originalmente a própria Ártemis era um cervo, e ela é a deusa que caça cervos.
Os dois são aspectos duais do mesmo ser. A vida mata a vida o tempo todo, e
também a deusa mata a si mesma no sacrifício de seu animal. Cada vida é sua
própria morte, e aquele que nos mata é de algum modo o mensageiro do destino
que era seu desde o início (CAMPBELL, 2015, p. 149)”. Sobre essa questão, a
professora ressaltou que, assim como Ártemis, exercemos duplo papel: “Na nossa
cultura somos produtos dessa grande mente (inconsciente coletivo), onde formamos
e somos formados”. Somos ao mesmo tempo produto e ação na existência. Na
percepção de que há mistério na ação, também há a percepção de que todo ato é
sagrado: “Quando esquecemos que somos mortais, tendemos a fazer muitas bobagens”,
disse, lembrando que, dentro da percepção das narrativas míticas, sempre há
responsabilidade pelas escolhas feitas, já que elas afetam tanto a si como o
outro. Trata-se, portanto, da tão desejada e necessária perspectiva da
alteridade.
Em relação ao
capítulo 6: Ilíada
e Odisseia: o retorno à deusa, a professora
chamou atenção principalmente para a figura de Penélope que, acreditando no
retorno de Odisseu, tecia durante o dia uma trama que desfazia durante a noite.
Tal ato serviria para ludibriar pretendentes que haviam dado Odisseu como morto
e desejavam desposá-la. Acreditando que seu esposo retornaria, ela prometia que
se casaria novamente assim que concluísse sua tecelagem.
De seu
lado, Odisseu passou por uma serie de provações até retornar a sua esposa
Penélope, já agora um homem transformado pelos desafios não somente da guerra,
mas também do amor. Em outras palavras, com prontidão para se comprometer finalmente
com um relacionamento formado por pares iguais. De acordo com a professora, a
questão de tecelagem é recorrente nas narrativas míticas e representa o
construir e desconstruir inerentes à vida.
Sobre as narrativas, Guarnieri apontou
que o ocidente é um
paradoxo entre Atenas e Jerusalém, ou seja, entre as narrativas grega e
judaico-cristã. E que ainda há uma busca em relação à alteridade, que pode ser
observada nos polos de opostos comoObjetivo/Subjetivo, Apolo/Ártemis,
Afrodite/Eros.
A relação entre o masculino e feminino, abordada tanto na palestra
da professora, quanto nos capítulos desenvolvidos na obra de Campbell, incitou debate
entre os presentes, que levou ao aprofundamento dos conceitos junguianos de anima e animus, originários
da psicologia analítica desenvolvida por C.G. Jung (1875-1961). Anima seria a parte feminina inconsciente
que o homem possui e animus a parte
masculina inconsciente que a mulher possui. Portanto, todo homem possui uma
parte feminina e toda mulher possui uma parte masculina em sua psique, como o
clássico símbolo do yin e do yang chinês.
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Representação de Anima e Animus |
No
contexto junguiano, anima pode ser
compreendida como sendo a alma, aquilo que move. Já animus seria o espírito, o que dá a direção à vida. Um está intrinsecamente relacionado ao outro e depende do outro. Assim, quando há o desequilíbrio do animus (na mulher), ela pode manifestar certa postura “de general”, de rigidez”, explicou
Guarnieri. Por seu lado, o homem com alteração de anima pode ficar “animoso”, isto é, irritadiço, inquieto.
Foi assim que o sábado, um dia chuvoso de inverno paulistano, foi aquecido e avivado
graças à vasta troca de experiências e conhecimentos entre a palestrante e os
participantes, proporcionando a cada presente material para tecer uma nova parte
da colcha de retalhos que constitui a vida humana.
Texto: Vanessa Heidemann
Referências
CAMPBELL, J. Deusas: os mistérios do divino
feminino. São Paulo: Palas Athena, 2015.
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