O relato do encontro de verão de 2016



Deus supremo da tradição iorubá, Orunmilá-Ifá: escultura em madeirado escultor Carybé (1911-1997),
em exposição no 
Museu Afro-BrasileiroSalvador,BahiaBrasil

A partir dos estudos culturais, o professor doutor Wilson Garcia discorreu com elegância e profundidade sobre as raízes africanas da mitologia brasileira, uma sombra da escravidão tragicamente ocorrida no país até 1888, mas um tema muito atual devido às novas levas de refugiados e deslocados forçados contemporâneos que chegam ao Brasil.

Docente permanente do Programa de Comunicação e Cultura da Uniso, mestre e doutor pela ECA-USP, Garcia baseou-se em referências como o livro Mitologia dos Orixás, do sociólogo paulista Reginaldo Prandi, e nas influências musicais da cantora baiana Virgínia Rodrigues, além da sua experiência pessoal no tema, para abordar os mitos africanos que se expressam, como alegorias, na tradição dos orixás.
O professor doutor Wilton Garcia

"O mito entreabre a porta, não escancara", ressaltou o autor de Corpo& espaço: estudos contemporâneos (São Paulo: Factash/Hagrado Edições, 2009), entre outras obras. "São 16 a 21 orixás, dependendo da tradição, mas de alguns não se fala. Na umbanda, por exemplo, como na religião cristã, há uma tríade, formada por Oxalá - senhor supremo -, Oxóssi - senhor das matas e florestas como a brasileira - e Iemanjá, a rainha do mar. Mas o Deus supremo é Orunmilá-ifá. Nós personificamos os orixás, mas ori quer dizer simplesmente semente, origem", explica.

Garcia apontou também uma importante distinção entre a tradição cristã e a africana. "Um santo, por exemplo, só tem um lado bom. Já os orixás possuem integradas em si energias boas e ruins". O estudioso das tradições africanas lembrou que Exu, apontado em algumas denominações como a encarnação do mal, na verdade expressa o primeiro orixá, aquele que abre os rituais e os caminhos. "Exu não possui em si, intrínseca, a noção de bem ou mal, o que depende do livre arbítrio e da ação do indivíduo", conta, recomendando o documentário A Dança das Cabaças: Exu no Brasil, sobre o tema.

Nesta função de mediação de mundos do orixá, outro trabalho que pode ser consultado é A imagem arquetípica do psicopompo nas representações de Exu, Ganesha, Hermes e Toth, uma interpretação da psicologia analítica sobre o tema.

Garcia finalizou o encontro recordando que o orixá é uma ponte com a qual estabelecemos nossa relação com o superior ou, como diz o mitólogo Joseph Campbell (1904-1987), com o transcendente. "O orixá age como um guia do caminho do sujeito", sintetizou. E o caminho, como diz o poeta, se faz pelo caminhador.

Por Monica Martinez


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