14/3 - Encontro de Verão: mitologia criativa


Pois é, chegou janeiro, passou o Carnaval e começamos nossas atividades. Esse ano estudaremos o quarto volume do livro As Máscaras de Deus: mitologia criativa (Palas Athena, 2010).

Na primeira parte, A Antiga Videira, o mitólogo estadunidense Joseph Campbell (1904-1987) aborda o mundo desmitologizado que resultou do "mundo moderno da ciência e da máquina movida à energia, comércio global e intensos intercâmbios culturais" (CAMPBELL, 2010, p. 90), onde "desaparecerem os contextos sociais e físicos onde emergiram as antigas ordens simbólicas." (CAMPBELL, 2010, p. 90).

"Ademais", diz ele, "em nosso atual ambiente mundial composto de diferentes comunidades religiosas, nacionalidades, raças (leia-se agora etnias) e classes sociais e econômicas, não podemos encontrar nenhuma verdadeira e profunda comunidade, mesmo onde, para fins práticos, parece ter-se conseguido acordos." (CAMPBELL, 2010, p. 90).

Para Campbell, desde a metade do século XII, que ele identifica como o marcador da "civilização do indivíduo" contemporânea, está ocorrendo uma lenta mas gradual desintegração que vem "desmantelando a enorme tradição ortodoxa que chegou ao seu apogeu naquela época (CAMPBELL, 2010, p. 19).

Se o imprinting, a estampagem mitológica não viria mais de fora, onde ele deve ser buscado então? Para o mitólogo, estamos na era da mitologia criativa. Fundamentado nos filósofos Schopenhauer e Nietzsche, nos escritores James Joyce e Thomas Mann, bem como na psicologia analítica de Jung, ele propõe que o ser humano contemporâneo não tem saída salvo, como os cavaleiros medievais da lenda do Graal, ter a coragem necessária para penetrar no caminho fechado da floresta (ou a noite escura da alma) para, por meio da experiência obtida com as provas do cotidiano, conseguir criar um novo tipo de vida para si que faça sentido. Assim, cada indivíduo passaria a não viver mais em termos da "fé coletiva", mas se tornaria plenamente consciente de suas potencialidades -- e de seus defeitos também.

"(...) o indivíduo tem uma experiência própria − de ordem, horror, beleza, ou até de mera alegria − que procura transmitir mediante sinais; e se sua vivência teve alguma profundidade e significado, sua comunicação terá o valor e força de um mito vivo − obviamente para aqueles que a recebem e reagem a ela por conta própria, com empatia, sem imposições. (CAMPBELL, 2010, p. 20).

A "verdade" e o "sentido da vida", portanto, não estaria mais "lá fora". Em contraposição à mitologia tradicional, essa noção de mitologia criativa confia a cada ser humano a responsabilidade de dar cor, saber e sabor à própria vida. E, ao fazê-lo, avivar seu entorno. Ao sair da zona de conforto da autoridade imposta pelo mundo externo, cada um precisaria tomar a vida nas próprias mãos. E seria a somatória de indivíduos despertos que, como órgãos num corpo, tornaria o corpo social mais humano.

Bom, evidentemente tudo isso é mais fácil de debater no plano teórico do que de fazer na prática... Por isso, no próximo encontro, que será realizado no dia 16 de maio, continuaremos as reflexões com a parte II do livro, A Terra Desolada. Afinal, como diz Joyce, o risco dos que não têm coragem para empreender tal jornada é transformar a terra numa Wasteland.

Monica Martinez

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